A fábrica de cerâmica fundada em 1985, na Fonte Salgada, concelho de Tavira, herdeira de uma tradição que remonta há pelo menos três gerações da família Faustino, está a passar por uma revolução.
Localizada já fora da freguesia de Santa Catarina da Fonte do Bispo, afamada pela qualidade das argilas e dos tradicionais ladrilhos, mosaicos hidráulicos e tijoleiras, a Roficer – Cerâmica da Fonte Salgada, Lda., vai começar a produzir peças de vidrado sobre argila, mantendo a essência do barro local.
Assim, em janeiro de 2025, nasce uma nova marca, a Heritage Clay Tiles que combina tradição e inovação. Será um produto «competitivo, original e sustentável», dirigido aos mercados interno e internacional, segundo explicam os irmãos Luís e Nelson Faustino que desde há dois anos estão a trabalhar neste projeto, cujo investimento ascende a um milhão de euros, entre financiamento próprio e o apoio de fundos europeus.
«A ideia é focarmo-nos nos vidrados, que têm muita procura, mas mantendo a flexibilidade para responder às futuras exigências e alterações de mercado», começa por explicar Nelson Faustino. A sul do Tejo, «não há ninguém a produzir» este tipo de cerâmica, acrescenta Luís. «Estamos a falar de peças pequenas com um grande valor acrescentado».
Os irmãos, que também trabalham na construção e promoção imobiliária na Quinta do Lago e Vale do Lobo, explicam que são utilizadas para diferenciar «apontamentos em casas de banho, cozinhas, halls de hotéis e restaurantes» e em todo o tipo de projetos de design de interiores e exteriores contemporâneos.
Um exemplo grande tendência é o uso de vidrados em piscinas estilo Bali, pois conferem «tonalidades espetaculares». Para entrar nesse nicho especializado, «estamos a trabalhar com o Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro (CTCV) de forma a garantir maior a impermeabilidade possível das peças nesse tipo de aplicações», explica Luís. «É a nossa grande aposta».
Combinação de métodos manuais e industriais
Na fábrica, onde antes existia uma área «abafada e quente, onde as placas de argila secavam um pouco antes da cozedura», em breve, haverá uma nova zona coberta e limpa, sem poeiras, dedicada à produção dos vidrados.
Segundo refere Luís Faustino, esta reorganização do espaço abrirá «um novo ciclo», que na indústria 4.0 é denominado lean manufacturing. Pretende-se uma produção contínua, com o mínimo de desvios e de desperdício possíveis. «Vamos aproveitar todo o conhecimento que já existe e modernizar alguns passos», afirma Luís.
Assim, a futura produção terá dois processos distintos, «aos quais chamamos manual e semi-manual. A ideia é produzirmos peças totalmente feitas à mão, e, ao mesmo tempo, outras num processo um pouco mais mecanizado», explica Nelson.
As duas linhas terão distintos fins comerciais. Por si só, «o facto de um processo ser mais mecanizado» não significa desvalorização. «Há determinadas aplicações para as quais, se calhar, é melhor que as peças sejam mais direitas, mais uniformes e homogéneas», compara Luís.
Por outro lado, «as peças que requerem mais mão-de-obra terão um custo superior. Sabemos que há clientes para ambas».
Para o catálogo inicial, «escolhemos uma série de cores. Mas queremos reduzir a paleta e trabalhar sobretudo à base dos óxidos para vidrados cerâmicos, que hoje estão mais na moda, e eventualmente, oferecer uma dezena de opções. Em termos de formatos, teremos o 10×10 cm e outras dimensões. Estamos também a experimentar com peças biseladas», revela Nelson.
Mais tarde, «gostaríamos muito de estabelecer parcerias com alguns artistas e designers. Nesta fase, estamos a definir a gama final» para o arranque da comercialização.
Nelson Faustino corrobora: «uma vez que estamos envolvidos no mundo da construção e contactamos muito com designers e arquitetos, temos pedido opiniões. Todos ficam fascinados. Perguntam-nos quando é que estes produtos estarão disponíveis. Quando falamos do preço, ficam um pouco reticentes, e daí a necessidade de um equilíbrio entre um produto manual, de elevada qualidade, diferenciado, e outro um pouco mais acessível».
Em termos operacionais, a empresa está a trabalhar com uma mufla de ensaios. «Para já, a nossa produção é mínima porque estamos em fases de testes, de experimentar engobes e de ajustar o vidro à pasta» de terracota, enfatizam.
As instalações contam com um parque solar de 250 painéis fotovoltaicos, capaz de produzir 100 kW para autoconsumo e estão preparadas, se necessário, para escalar a produção no futuro. Também já chegou o primeiro forno elétrico para o arranque da operação.
Sustentabilidade e respeito pela tradição
Para otimizar a pureza da matéria-prima, foi feito um investimento considerável em equipamentos. «Todo o barro vem das jazidas aqui próximas. É tirado do solo e colocado em montes. Fica exposto aos elementos, às vezes, de um ano para o outro, para que fique menos compactado e mais fácil de processar. Depois, é preparado e moído para eliminar o máximo de impurezas», explica Nelson. O método resolve eventuais problemas como a presença de calcário, que pode prejudicar a resistência mecânica das peças.
Em média, um operário consegue fazer cerca, à mão, de 300 peças por dia. «Secam ao ar livre, não há qualquer processo industrial envolvido. Entretanto, é aplicado o engobe, que é uma espécie de primário. Porquê? Porque a argila é vermelha e precisa de algo para anular um pouco essa base cromática. Em seguida, cozemos a chacota, isto é, a pasta vermelha já com o primário. Depois da primeira cozedura, é aplicado o vidro e segue para uma segunda cozedura», explica Nelson.
E por «não ser um processo completamente industrializado, não há duas peças iguais. A cozedura da pasta vermelha, mesmo sem o vidrado, varia de cor com a posição em que é colocada no forno. Tudo isto confere originalidade e diferentes tons», acrescenta.
Os irmãos Faustino estão confiantes no sucesso do projeto. «Somos ambiciosos, mas temos consciência do mercado. Estamos muito à vontade na qualidade do nosso produto e daí todo este cuidado em garantirmos que, no final do processo, tudo sai impecável. Queremos ter algo diferenciador para o mercado nacional e globalizar. E estamos a avançar com a loja online, destinada ao consumidor final».
Exportar não será difícil, haja encomendas. «Estas peças são pequenas, fáceis de transportar, não envolvem uma logística complicada. E são algo que está associado a uma história, a uma tradição que se mantém», conclui Luís Faustino.
Um pouco de história
Júlio Faustino fundou a Roficer – Cerâmica da Fonte Salgada, Lda., empresa familiar dedicada à produção de ladrilhos, no interior rural de Tavira. Já o avô e bisavô haviam trabalhado no telheiro, e toda a vivência familiar está ligada a esta atividade. A argila utilizada extraída do barreiro, na Fonte Salgada é «de qualidade superior» segundo testes que se fizeram à geologia daqueles solos.
Agora, são os filhos – Luís e Nelson -, e o neto, Raúl, a dar-lhe continuidade, aliando tradição à inovação, sem perder a genuinidade. Sobre o futuro do artesanato, acreditam que terá sempre «lugar fora do consumo massificado» e junto de quem «valoriza a cultura, saberes e costumes» locais. Para dar o exemplo, o antigo forno que queimava a lenha, casca de pinha e de amêndoa, vai ser um pequeno espaço museológico.
Candidatura aprovada ao ALGARVE2030
Em outubro último, a Roficer, Lda., viu aprovada uma candidatura ao Programa Regional ALGARVE2030 para modernizar a fileira produtiva e desenvolver uma nova linha de terracota vidrada, mantendo o cariz rústico caraterístico algarvio. O investimento implica ainda a criação de um sistema de qualidade que dará suporte à certificação dos produtos, a instalação de um parque solar fotovoltaico, novos fornos elétricos e equipamentos para melhorar a qualidade da pasta de barro. O custo total elegível da operação aprovado é de 406.182 euros com um financiamento elegível de 203.091 euros através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER).