Fátima Messias, coordenadora nacional da Comissão para a Igualdade Mulheres e Homens (CIMH) / CGTP-IN, esteve ontem num protesto que juntou vários sindicatos junto ao Hospital de Faro.
Os sindicatos de trabalhadores de profissões essenciais, de diferentes sectores, estiveram ontem em protesto e Faro recebeu uma das mais de 900 iniciativas que estão a decorrer até ao final da semana, um pouco por todo o país, sob o lema «Defender a Saúde, Dignificar o Trabalho, Avançar na Igualdade».
Ouvida pelo barlavento, Fátima Messias explicou que é uma forma de assinalar não apenas o Dia Internacional da Mulher (celebrado a 8 de março), mas para trazer a público «os problemas principais que afetam as mulheres trabalhadoras e as desigualdades» entre géneros.
«As mulheres ganham em média menos 14 por cento que os homens. No que toca aos horários, trabalham, em média, mais horas e têm mais dificuldades de conciliação», uma situação que o contexto pandémico piorou.
«As mulheres são também a maioria que sofre ataques nos locais de trabalho e dificuldades na progressão da carreira devido ao exercício dos direitos de maternidades, como horários flexíveis e horas de amamentação, aleitação. São as mais discriminadas. As mulheres são também a maioria das vítimas de assédio laboral e são também a maioria dos trabalhadores com doenças profissionais, no caso das lesões músculo-esqueléticas», apontou Fátima Messias.
O confinamento, «agravou todos os problemas que já existiam. Foram os sectores fortemente de mão de obra feminina os que se mantiveram a trabalhar, como a saúde e o sector social. Muitas chegaram a um ritmo de exaustão total. No sector do comércio houve uma grande desregulamentação dos horários e tudo se agravou. Os problemas já existiam mas agravaram-se muito», apontou.
No que toca às soluções tomadas pelo governo, a coordenadora nacional da Comissão para a Igualdade Mulheres e Homens da CGTP-IN, esperava mais.
«Como sabemos, o governo foi tomando medidas tardias, segundo a interpretação que fizemos desde o início. Foram tardias e insuficientes. Dou como exemplo, o teletrabalho. As escolas fecharam no final de janeiro, a CGTP através desta comissão denunciou o caso de uma trabalhadora de call center que estava com crianças pequenas e não conseguia, de maneira alguma, atender o telefone e cuidar dos filhos. Era impossível. Essa situação laboral só foi alterada em finais de fevereiro e não teve efeitos retroativos. O que aconteceu? Centenas de mulheres, já para não dizer milhares, ficaram sem qualquer fonte de rendimento porque foram obrigadas a deixar o teletrabalho para cuidar de crianças e essa situação nunca foi recuperada», justificou Fátima Messias.
Além disso, «mesmo estes pagamentos a 100 por cento só o vieram a ser mais tarde, mesmo os layoffs. Os estudos demonstram que as mulheres trabalhadoras perderam em média 16 por cento da sua retribuição em 2020. Ora, 16 por cento em cima de salários baixos, a maioria salário mínimo nacional, veja-se a pobreza que temos aí» pelo país fora.
Atenta ao aumento desemprego do Algarve, região onde a precariedade já era um flagelo antes da pandemia, a dirigente da CGTP manifesta-se muito preocupada.
«Não podemos só constatar os problemas, temos de agir. Um dos caminhos para combater a desigualdade é, de facto, apostar no emprego estável e não na precariedade nem nos baixos salários. Os trabalhadores e as trabalhadoras com vínculos precários foram os primeiros a perder o emprego. Ou seja, a precariedade é uma antecâmara do desemprego. Mais de metade das mulheres desempregadas não têm acesso ao subsídio de desemprego porque não tiveram o período de descontos anterior por causa dos contratos ao mês, ou a três meses. Isto não pode continuar assim. Estamos a criar pobreza quando deveríamos estar aqui a criar mais justiça, igualdade e dividir a riqueza que existe», sublinhou Fátima Messias.
Para o resto de 2021, está em marcha o Plano Geral de Reivindicações da CGTP «que passa também pela aposta no aparelho produtivo. Se não houver criação de novas empresas, o país não se desenvolve. Estaremos sempre dependentes, à espera de empréstimos lá de fora, que no final, todos pagamos».
«O que defendemos é um forte investimento público, a criação de emprego de qualidade, a redução do horário de trabalho e condições dignas nos locais de trabalho sem violência e sem assédio. É esse o caminho. Iremos fazer força na luta todos os dias do ano junto do governo, das entidades públicas e privadas».
Para Fátima Messias,« temos de o fazer com mais força, até porque falar de igualdade é um tema que envolve muita hipocrisia. Fala-se muito na igualdade, ninguém está de acordo com as discriminações, mas elas existem e são, muitas vezes, os patrões, como a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), que há dias referiu, em relação ao dia 8 de março, que queria assinalar como um dia de carga simbólica e não como um dia de luta. São esses mesmos que recusam os horários flexíveis, que penalizam na atribuição de prémios os exercícios de direito de maternidade e que fazem com que a instabilidade laboral obrigue tantas famílias a adiar o momento de ter filhos», concluiu.
Enfermeiros presentes
A enfermeira Sónia Lopes, dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP), delegação de Faro, foi uma das presentes no protesto.
Em causa, a progressão na carreira. «Em 2019, houve uma reunião com o anterior conselho de administração do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve (CHUA), da qual todos saímos esperançosos. Trabalho há 14 anos na instituição e estou exatamente como no dia em que comecei, na primeira posição da nossa grelha salarial. Sinto-me injustiçada, desrespeitada, desmotivada. São 14 anos e nada. É isso que nos desmotiva», uma situação que segundo as contas da dirigente afeta cerca de 500 enfermeiros que trabalham na região algarvia.
«Se não for o amor à camisola, se não for gostar mesmo da profissão, nenhum enfermeiro fica a trabalhar aqui».
Para Nuno Manjua, dirigente regional do SEP, há outra questão que está a desmotivar os enfermeiros desde o início da pandemia.
«Um casal em que ambos os cônjuges são enfermeiros ou profissionais de saúde, ou de profissões essenciais, a única alternativa que têm hoje é deixar os filhos nas escolas de acolhimento. Acontece que muitas vezes, não são as que as crianças frequentam. Não conhecem os outros colegas, não conhecem os professores nem os educadores. Muitos profissionais de saúde perguntam se os seus filhos têm direitos diferentes dos filhos dos outros? Por que motivo não nos é dada a mesma possibilidade de um dos pais poder faltar para acompanhar os filhos, como no caso de casais com outras profissões?», questionou.
«No caso de mãe e pais serem ambos profissionais de saúde não podem fazer isso, não têm qualquer hipótese e ainda são ameaçados de faltas injustificadas. Claro, isso é revoltante», sublinhou Nuno Manjua.
«Muitos colegas estão pouco motivados pelas questões salariais e com as alterações, que são feitas de um dia para o outro, de horários e de escalas. Têm de reorganizar toda a sua vida pessoal e familiar para poder dar resposta à população, e ainda têm esta questão em relação aos filhos. Não tem sido nada fácil para os enfermeiros se manterem a trabalhar perante estas situações», acrescentou.
Para o dirigente do SEP, «o mínimo que se pode fazer é», os conselhos de administração do CHUA e da Administração Regional de Saúde (ARS) do Algarve, «pagarem aquilo com que se comprometeram. Sejam honestos e também, nestes anos de pandemia, valorizarem o trabalho dos enfermeiros com a menção qualitativa de relevante na sua avaliação de desempenho».
Além disso, e por último, dizer que exigimos a regularização dos vínculos precários, de todos os enfermeiros que foram admitidos ao abrigo desta pandemia, porque como sabemos o Algarve tem uma carência crónica de enfermeiros. Já tinha antes. O trabalho agora aumentou, não vai deixar de existir e aquilo que menos queremos é que no fim da pandemia as pessoas sejam postas na rua», conclui Nuno Manjua.