Em resposta à evolução do surto de COVID-19, cerca de 150 alunos do curso de Mestrado Integrado em Medicina (MIM) da Universidade do Algarve (UAlg) com o apoio de médicos e enfermeiros, reforçam a linha SNS24, numa parceria com o Algarve Biomedical Center (ABC).
No início da pandemia, a maior parte das chamadas para a linha SNS24 era apenas para retirar dúvidas e conhecer os sintomas da COVID-19. Foi este o cenário no qual os alunos finalistas do curso Mestrado Integrado em Medicina (MIM) da Universidade do Algarve (UAlg), titulares de uma licenciatura prévia na área da Saúde ou das Ciências, encontraram quando se voluntariaram para prestar este serviço ao país. Poucos dias depois, o call center sediado no edifício da Altice, em Faro, passou a responder a situações mais complexas, como contactos diretos com pessoas infetadas com o novo Coronavírus.
Ao que o barlavento apurou, das cerca de 25 mil chamadas nacionais que a linha telefónica regista todos os dias, 2000 são atendidas no Algarve, pelos alunos do MIM da UAlg, apoiados por uma equipa de médicos e enfermeiros. O sistema começou a funcionar no domingo, dia 15 de março, com apenas um grupo de trabalho de 150 alunos e já evoluiu para dois call centers.
«O primeiro estava orientado apenas para os estudantes, com 40 postos, em rotação. Depois houve outros ex-alunos do curso que aderiram e até enfermeiros e médicos, que nada tinham a ver com o nosso curso. Muitas pessoas ofereceram-se para ajudar. Acabámos por abrir um segundo call center. Assim, quase duplicámos a capacidade», explica ao barlavento Isabel Palmeirim, diretora do MIM e presidente do Departamento de Ciências Biomédicas e Medicina da UALG.
Um dos alunos que está a trabalhar na central de atendimento telefónico ao serviço do SNS falou com o barlavento.
«Quando soubemos, foi logo uma enchente que quis vir ajudar em regime de voluntariado. Não tínhamos ideia para o que vínhamos, mas quando escolhemos Medicina sabíamos que tínhamos a missão de ajudar pessoas. Ninguém conseguiu dizer não. O sentimento de estar em casa e não podermos fazer aquilo que aprendemos, iria ser muito difícil para todos nós. Estamos gratos pelo facto de nos terem dado a possibilidade de usarmos os nossos conhecimentos porque nascemos para isto».
Em questão de dias, o teor das chamadas «tem mudado. Quando começámos, as perguntas eram relacionadas com preocupações das pessoas por terem estado em contacto com alguém que esteve próximo de outra pessoa infetada. Perguntavam se havia problema e se tinham de fazer o teste. Foi uma fase para tranquilizar e informar. Víamos poucos casos positivos. Agora, as chamadas são mais compatíveis com o aumento exponencial» da infeção.
Ou seja, ligam «pessoas que já têm o pai e a mãe infetados, ou cuja filha já tem sintomas. As pessoas estão muito preocupadas e não sabem o que devem fazer. Ultimamente tem sido mais isso, casos complexos. As pessoas que recorrem a esta linha têm, sempre questões plausíveis, legítimas e adequadas. E até preferimos que o façam a terem comportamentos que possam pôr em risco alguém», diz ao barlavento este aluno do MIM.
«Acontece com frequência atendermos casos complexos que já esperam há algum tempo por ajuda. Sentimos o desespero. E isso é um entrave para nós porque as pessoas, às vezes, estão tão desesperadas que nem conseguem dizer o que precisam», descreve.
Na opinião daquele futuro profissional de saúde, o que o sensibiliza mais são os contactos por parte das pessoas mais vulneráveis e idosas.
«Sobretudo quando estão em sítios isolados. Pedem ajuda e os meios de ativação não têm facilidade em conseguir chegar a esses locais. Estamos a falar de pessoas que não têm possibilidades viáveis de se deslocarem a um hospital para fazerem testes quando os delegados de saúde assim o pedem», diz, testemunhando em tempo real a desigualdade e as assimetrias enraizadas em Portugal, de norte a sul.
«As pessoas também veem nesta linha um apoio. Às vezes sentimo-nos impotentes porque é difícil responder a estas situações. Estes, para mim, são os casos piores», diz a mesma fonte.
No entanto, e apesar dos alunos do MIM lidarem com histórias complicadas todos os dias, conseguem encontrar uma motivação mais forte que as dificuldades do outro lado da linha.
Um outro colega confirma. «A energia que se vive aqui dentro do call center é muito positiva. É uma coisa indescritível. Estamos aqui todos com o objetivo de ajudar e queremos estar ao serviço o máximo de tempo possível. Não somos nós que vamos dar resposta a todas as chamadas, mas temos a noção que estamos a dar um bom contributo e isso é muito reconfortante».
Duas situações justificam este sentimento. «Recebi uma chamada de uma diretora de uma empresa, em que todos os colaboradores operavam em conjunto na mesma sala. Reportou que um trabalhador estava infetado com a COVID-19, e que todos os outros, incluindo ela, já tinham sintomas da doença. Estava preocupada porque agora cada um dos trabalhadores estava em casa» e em contacto com terceiros. «Estamos a falar de várias cadeias potencialmente ativas».
Outra situação, digna de destaque, foi «um emigrante que nos contactou perto da fronteira. Vinha de França com quatro colegas de trabalho, todos na mesma carrinha. Três apresentavam sintomas e um deles até tinha sintomatologia grave. Todos tinham estado em contacto com pessoas positivas à COVID-19. Assim que obtiveram o sinal de rede portuguesa nos telemóveis, ligaram para nós. E isto são apenas duas histórias em milhões de situações que estão a acontecer», confirmou.
Ainda segundo a opinião profissional desta fonte, «em Portugal ainda se está a testar a infeção do novo Coronavírus em poucas pessoas e por isso os números podem estar um bocadinho subvalorizados. Acredito que daqui para a frente vamos começar a identificar mais números e a interromper mais cadeias de transmissão. Esse é um dos nossos objetivos. O meu receio é que se atingirmos percentagens idênticas às de Espanha, que tem uma realidade cultural idêntica à nossa, não tenhamos meios. Temos muito menos recursos que o nosso país vizinho e o meu medo é que cheguemos a uma situação análoga. Mesmo assim, acredito que em Portugal estamos a fazer tudo para puxar a curva para baixo», disse.
Já Isabel Palmeirim, afirma que Portugal «tem de aprender com o que se passa em Itália. E não é a China, que está do outro lado do mundo. O problema é aqui. A maioria das pessoas está a portar-se muitíssimo bem, mas temos sempre algumas que acham que isto é um exagero. Todos devem consciencializar-se que não. Creio que com o tempo as pessoas se vão apercebendo» da pandemia e das suas consequências. Por fim, a professora e médica, «gostaria que tivessem sido tomadas medidas mais precoces e mais agressivas por parte do governo». Ainda assim, «percebo que tenham de ponderar também a parte económica e nessa área não faço assunções», rematou.
Nuno Marques, presidente do Conselho Executivo do Algarve Biomedical Center (ABC) confirmou ao barlavento que «a prestação é muito boa, sem falhas em termos do número de pessoas que estão a fazer atendimento. Além de termos o call center 1, onde temos cerca de 150 estudantes a participar, na semana passada demos início ao call center 2, onde estão cerca de 100 profissionais de saúde. Como sabemos, na fase em que estamos, esta linha é crucial para dar apoio à população evitando que se desloquem aos hospitais e aos Centros de Saúde. Aqui no Algarve estão a dar o máximo. Aliás, quero deixar os parabéns, de forma clara, e um agradecimento a todos os que se têm estado a disponibilizar» para reforçar a capacidade da linha, que conta neste momento com 60 postos de atendimento a funcionar em permanência e a dar apoio nacional.
Também o Centro de testes à COVID-19, inaugurado no domingo, dia 22, no Parque das Cidades, entre Faro e Loulé, já «funciona em pleno e sem qualquer dificuldade. Estamos a fazer agendamentos, de forma controlada, para darmos a melhor resposta possível» à pandemia.
Quais as respostas da linha para casos complexos?
A linha de apoio do Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem sido reforçada desde que o volume de chamadas, devido ao surto do novo Coronavírus, tem vindo a aumentar. E em Faro, há quase 300 pessoas a reforçar essa rede. De acordo com uma fonte, que quis manter o anonimato, quando há casos complicados, «ligamos à linha de apoio ao médico. Esta recebe toda a informação que retiramos da pessoa que liga e do seu agregado familiar todo. Essa mesma linha fala diretamente com a pessoa, articula com o delegado de saúde e com o Hospital, para a encaminhar a fazer o teste. Em casos extremamente graves, ativa-se a linha com o INEM para ir buscar o paciente, de modo a ser internado. Nós aqui encaminhamos as pessoas para os sítios certos».
Propostas de vacinas para a COVID carecem ainda de testes
Isabel Palmeirim é a coordenadora do curso de Mestrado Integrado de Medicina (MIM) na Universidade do Algarve (UAlg) que, ao barlavento, revelou qual a sua opinião sobre a epidemia do novo Coronavírus.
«Creio que vai durar muito mais do que nós pensámos inicialmente, mas que obviamente vamos ter de conseguir reverter isto e vamos conseguir fazê-lo. Acho que temos de pensar em pelo menos três meses. Note-se sempre que isto é tudo especulativo. O avançar depende muito do comportamento da população. Tem muitos fatores que não estão na nossa mão. Há sempre tentativas, mas há muita coisa que o modelo matemático não controla».
Questionada sobre a descoberta de uma possível vacina para a doença, a professora explicou que tal como todos os vírus, este «sofre mutações e multiplica-se a uma velocidade muitíssimo rápida. Em cada multiplicação há uma possibilidade de uma taxa de erro, uma mutação. Essas eventuais mutações que possam ocorrer, são difíceis de prever. Qual a evolução deste vírus no tempo? Se calhar, daqui a um mês, é ligeiramente diferente do que neste. Seguramente será e não sabemos é se terá impacte na história da doença ou não. Já há propostas de vacinas, mas não podem ser colocadas no mercado sem serem testadas como deve ser. Isso demora sempre o seu tempo. Não é possível acelerar um determinado número de coisas. Portanto é isso que é complicado».