José Apolinário, ex-secretário de Estado das Pescas e antigo membro do Parlamento Europeu, recém-eleito presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, quer abrir caminho para o processo de regionalização do Algarve. Em entrevista ao barlavento explica as prioridades para o novo mandato.
Os próximos quatro anos não serão fáceis até para quem acumula uma variada experiência política como o socialista José Apolinário, que terá pela frente vários desafios institucionais.
«O nosso objetivo será criar condições para reabrir o dossier da regionalização, através de passos que têm de ser dados com segurança, com confiança, com o envolvimento dos autarcas, das instituições, das populações e também sem ilusões. Não seria sério dizer que no final deste mandato estaremos em condições para avançar na regionalização. Agora, há um ponto que quero assumir. Tudo faremos, eu e a equipa que me acompanha para que a prazo seja possível haver uma eleição direta da estrutura, ou melhor, da futura autarquia regional», começa por explicar.
«O que estamos a discutir é a criação de uma autarquia supramunicipal como previsto na legislação. E portanto, quero trabalhar para que se chegue a esse patamar de confiança», diz. «Esse objetivo está também reforçado por ter havido, quer no Algarve, quer no resto do país, uma significativa participação dos eleitores com direito de voto, do colégio eleitoral, que na região rondou os 88 por cento, não obstante todos os apelos, que de norte a sul se fizeram à não participação neste processo», refere.
Para já, e de acordo com a lei orgânica da CCDR, uma das primeiras iniciativas será reunir o «Conselho de Coordenação Intersectorial com representantes de todos os Ministérios e a presença da AMAL – Comunidade Intermunicipal do Algarve, que queremos valorizar. Queremos reunir regularmente, este órgão, de forma descentralizada, para termos uma visão da intervenção dos diferentes serviços na região», como parte da estratégia.
«Temos de construir aqui um caminho em parceria com os autarcas, desde logo com a AMAL, mas também envolvendo as Assembleias Municipais e as Juntas de Freguesia. Esse caminho passa, em primeiro lugar, por uma melhor cooperação, por acompanhar, monitorizar, defender e em alguns casos executar as políticas públicas nacionais na região. Passa, em segundo lugar, por garantir uma melhor cooperação entre as entidades na melhoria da resposta da administração pública e na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos», clarifica José Apolinário.
Em termos mais práticos, «há três áreas que exigem e justificam esta concertação especial». A primeira é «a atual e urgente situação social e económica da região. É necessário acompanhar as medidas de apoio às empresas e aos cidadãos para procurar responder à dimensão dos problemas que a região vive, pois esta situação pandémica tem impactes maiores no Algarve do que em outras áreas do país. Em segundo, queremos monitorizar, acompanhar e, em alguns casos, casos, implementar as medidas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRRPT) em concertação com os municípios, salvaguardando as suas competências».
A terceira prioridade imediata «é a gestão racional da água, com a execução do Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve. Em conjunto com os municípios e os agentes económicos vamos defender a posição junto do governo. Mas temos também de fazer os nossos trabalhos na região».
E embora seja uma matéria que terá de ser vista ao nível nacional, «vamos empenhar-nos na preparação, diagnóstico e criação de condições para a gradual aglutinação de serviços desconcentrados de âmbito regional para uma CCDR reforçada».
No imediato, e numa altura em que se fala de fundos, «vamos ter que concertar com os municípios e com o governo a sua aplicação no Algarve. O nosso objetivo é somar aos 320 milhões de euros que tínhamos neste quadro, os novos 300 milhões de euros. Ou seja, 620 milhões de euros. Vamos ter que concertar com a região numa perspetiva de diversificar a base económica. E contamos com a equipa interna, a equipa da CCDR, profissional e com provas dadas, que tem acompanhado este processo», sublinha.
Preparar o pós-COVID-19
Apolinário refere que no final de setembro, o programa CRESC Algarve 2020 tinha uma taxa de execução de 38,7 por cento, e uma taxa de compromisso de 85 por cento (que poderá chegar aos 105 por cento no final do ano, segundo o que o barlavento apurou).
«Vamos ter que fazer um esforço para acelerar a taxa de execução. Na prática, passados sete anos de quadro estamos com a execução um pouco acima de um terço dos 320 milhões de euros. Vamos precisar da cooperação de todos para alavancar isto».
A nova equipa quer também preparar o próximo Quadro Financeiro Plurianual 2021–2027 e fechar o atual «sempre que possível, aproveitando as verbas ainda disponíveis em linha com as prioridades da agenda ambiental: a inovação, a digitalização e sustentabilidade».
E não só. «Penso também que para o próximo quadro é preciso preparar o pós-COVID-19. Isso passará por apoiar as empresas, desde logo as exportadoras, do sector primário e industrial, e as empresas ligadas à economia do mar. Apoios que podem marcar a diferença e ajudá- -las a crescer com instrumentos nacionais e regionais».
Apolinário justifica: «temos empresas que são topo, são líderes ao nível nacional e algumas ao nível internacional. Temos de as alavancar e trabalhar para que haja uma forma de reconhecimento, ao exemplo do que acontece noutras CCDRs que criaram símbolos» de excelência. «Tenciono sobre essa matéria, chamar e mobilizar as associações empresariais para fazer esse esforço de concertação de posições», prevê.
Outro ponto caro ao novo presidente será «valorizar a Universidade do Algarve (UAlg) e a transferência de conhecimento. Aliás, eu quis fazer a minha primeira declaração pós-eleições no Centro de Ciência Viva do Algarve, em Faro, ao qual foi decidido atribuir o nome do professor Mariano Gago, personalidade que mais alavancou a ideia de transferência de conhecimento das academias para as empresas, e um algarvio que muito respeitamos».
Algarve, destino turístico sustentável
Para José Apolinário, a perspetiva de recuperação no pós-pandemia também deve ser considerada no ponto de vista do turismo, principal motor económico do Algarve.
«Vamos ter de olhar para este quadro e para o próximo e fazer uma concertação entre as autarquias e as empresas com vista à criação de um selo de sustentabilidade alinhado com os novos desafios globais», explica.
Por exemplo, «30 por cento da energia que o Aeroporto de Faro consome vem de fontes renováveis. Gostaria e vou propor ao Turismo do Algarve, às associações empresariais e ao governo em Lisboa que façamos uma agenda sustentável para o turismo e que isso procure definir metas» a atingir.
Na visão do ex-secretário de Estado, os objetivos iniciais até podem ser humildes, para garantir a sua a concretização.
«Estou a falar da utilização de energias renováveis nos alojamentos, nos resorts e nos hotéis. Podemos começar por um nível baixo, na ordem dos 30 por cento. Mas temos de estabelecer metas de sustentabilidade na nossa principal atividade económica. Um compromisso verde».
Esta linha de pensamento também é válida para «a separação dos resíduos, para a reciclagem, numero de postos de carregamento de carros elétricos, para a gestão da água, num contributo integrado para a economia circular», diz.
«Entendemos que no pós-COVID, a imagem do Algarve tem de continuar posicionada entre os melhores destinos de praia e de golfe do mundo, mas também terá de ter objetivos mensurareis na utilização das fontes renováveis de energia e em outros indicadores que catapultem o Algarve para uma referência de topo na sustentabilidade. Isso tem a ver com a definição das políticas sectoriais e queremos ser parceiros do desenvolvimento regional. Temos de trazer os privados para este compromisso».
Área Marinha Protegida de Armação de Pêra é «uma mais-valia»
Em relação à economia do mar, «o Algarve tem condições para ser um parceiro muito ativo em várias áreas. Em primeiro lugar no turismo náutico. Temos condições para reforçar o papel dos nossos estaleiros e de procurar melhorar a sua competitividade. Em segundo, temos a componente da cadeia de valor em relação à pesca. Somos a principal região em termos de captura de polvo. Acompanharemos com muito interesse a primeira proposta de cogestão deste recurso, a desenvolver entre a PONG-Pesca, a World Wide Fund For Nature (WWF) Portugal, a Sciena e as associações empresariais da fileira. Acompanhamos com expetativa positiva o sucesso desta iniciativa».
Por outro lado, «vamos acompanhar o Plano para Aquicultura em Águas de Transição, que sairá do Ministério do Mar, e procurar que haja mais espaços disponíveis para atividade aquícola, sem pôr em causa os valores ambientais» do Algarve.
No que toca à aquicultura marinha offshore, para José Apolinário «neste momento, trata-se mais de consolidar os projetos existentes e a sua sustentação económica e social. Por outro lado, acompanhamos como uma mais-valia o processo de criação de uma Área Marinha Protegida ao largo de Armação de Pêra. É um processo que valoriza bens de capital natural e, pelo que conheço do dossier, não põe em causa a atividade da pesca porque não é uma no take zone» integral. Este «é um processo que deverá ser acompanhado como contributo para a biodiversidade marinha. Não está ainda fechado, está a ser acompanhado pela Universidade do Algarve e pela Fundação Oceano Azul», conclui.
Concertação, cooperação e coordenação
José Apolinário, ex-secretário de Estado das Pescas e antigo membro do Parlamento Europeu, foi eleito na terça-feira, dia 13 de outubro, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, por um colégio eleitoral composto pelos membros das Assembleias e das Câmaras Municipais da região.
Terá como vice-presidentes, o arquiteto paisagista José Pacheco e a social-democrata Elsa Cordeiro. Vão garantir a operacionalização da Estratégia ALGARVE 2030 e o acompanhamento e implementação no Algarve do Plano de Recuperação e Resiliência (PRRPT), bem como, em concertação com as autarquias e o governo preparar o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, com um enfoque especial no perfil produtivo e no alinhamento com os temas da economia circular, eficiência energética e digitalização.
A ação política da nova equipa pretende contribuir para uma oferta e destino turístico mais resiliente no pós-COVID-19, com vista à sustentabilidade, uso racional da água, eficiência energética, fomento da mobilidade suave e elétrica.
Pretende também defender, preparar e acompanhar a revisão do PROTAL, revisitar cada dossier nas matérias do ambiente e ordenamento do território, e dar uma atenção especial ao interior algarvio.
Outro objetivo passa por apoiar as empresas, ajudando as empresas que diferenciam o perfil produtivo da região, sobretudo as integram inovação e transferência de conhecimento científico.