barlavento: Como encarou o convite para o cargo?
Adriana Freire Nogueira: Tenho uma carreira académica na Universidade do Algarve, não tenho ligação à Administração Central, e por isso surpreendi-me. Mas houve muita receptividade talvez porque as pessoas queiram isso mesmo, que este cargo seja ocupado por alguém que não tenha qualquer ligação partidária evidente. Esta função exige dedicação total. Não é uma experiência, mas uma vivência. Estou aqui de corpo e alma.
E como está a ser a vivência?
A Direção Regional de Cultura do Algarve (DRCAlg) é vista como entidade que patrocina e apoia uma série de eventos. A verdade é que tem um trabalho imenso e que, penso, muitas vezes, não é tão visível, como, por exemplo, a vertente da salvaguarda do património material e imaterial.
Que objetivos traça?
Quero aproximar os jovens aos monumentos e aos museus. A minha entrada na DRCAlg coincidiu com o avançar do «Plano Nacional das Artes». A ideia é que neste plano entrem outros que já existem, como o de Cinema e o de Leitura. Estamos a trabalhar num concurso dirigido às escolas, que deverá arrancar já no próximo ano letivo. Irá abranger, em anos diferentes, os diversos níveis de ensino, começando pelo secundário. Por outro lado, noto, também, um grande desconhecimento daquilo que temos ao pé de nós. Enquanto professora, sempre levei os estudantes ao Museu Municipal de Faro e dava-me conta de que muitos não o conheciam. Em duas horas aprendiam um pouco sobre os romanos, os árabes e a pintura portuguesa dos séculos XVI e XVII e até sobre o próprio edifício. Esse saber é importante, mas nem todas as nossas escolas vão lá. Podemos fazer uma viagem milenar só com o património cultural do Algarve. A minha ideia é trabalhar também com as autarquias, porque têm nos seus territórios muito património classificado e há que valorizá-lo. Se soubermos o que existe na nossa terra, vamos gostar mais dela. Este conhecimento do passado dá uma outra dimensão à nossa existência. Como os professores são os nossos parceiros preferenciais, assinámos na terça-feira, dia 26 de março, um protocolo de colaboração com o Centro de Formação da Ria Formosa, que nos permitirá fazer ações creditadas.
Acha que os jovens de hoje têm essa curiosidade?
Se ler um texto de Aristófanes, de há 2500 anos, vai reparar que ele já falava mal dos jovens. Os jovens de hoje não são nada menos que os de outras épocas. Antes pelo contrário, hoje têm acesso a muita informação e às potencialidades trazidas pela
tecnologia.
É possível juntar tecnologia aos monumentos e museus?
Outros países já fazem isso e por cá também já começamos a fazer. Por exemplo, o uso do QRCode já está muito generalizado. Há também projetos muito interessantes, como os desenvolvidos pela Universidade do Algarve, de realidade aumentada. Já houve em Loulé, há uns anos, e agora foi a vez de Faro, no Museu Municipal, com um sistema que permite apreciar obras de arte com os cinco sentidos. Também o projeto que está a ser coordenado por duas docentes da Universidade do Algarve (Rita Baleiro e Sílvia Quinteiro), intitulado «Rotas literárias do Algarve» e vencedor de um Orçamento Participativo (OPP) terá a criação de um site, um conjunto de livros sobre cada rota e, se possível, uma app. Nos nossos monumentos, temos, por exemplo, uma visita virtual numa app que se pode descarregar no nosso site; na Fortaleza de Sagres temos instalado o sistema iBeacon (que, infelizmente, está com problemas de execução) e teremos muita tecnologia no futuro centro expositivo multimédia. Para os castelos de Paderne e Aljezur dispomos de audioguias para download. A ermida de Nossa Senhora de Guadalupe está em processo de requalificação de acessibilidades e vai ter, inclusive, um sistema de hologramas.
Que outros planos a médio prazo?
Ao longo destes três meses tenho tentado, primeiro, inteirar-me de como funciona esta casa no seu todo. Continuamos com o apoio à ação cultural, à edição e temos o DiVaM (Dinamização e Valorização dos Monumentos). Acho importante a internacionalização, ou seja, aquilo que nós fazemos seja conhecido lá fora. Sei que me vai chegar em breve um projeto musical que visa levar jovens a um intercâmbio musical no estrangeiro.
Na sua opinião, de que mais precisa o Algarve?
Uma das coisas de que as pessoas se queixam mais é a da gestão de eventos. Cada grupo ou autarquia faz à sua maneira e as coisas deviam ser feitas mais em conjunto. Se eu quiser organizar um espetáculo no Algarve, tenho de ter uma plataforma que me mostre quais as possibilidades de espaço, para a quantidade de público que tenho, por exemplo. A AMAL tem um projeto nesse sentido e está a ouvir os parceiros, mas será uma espécie de base de dados. Mapear os espaços existentes e as associações, numa plataforma só. Do que é que o Algarve precisa? De mais educação de públicos. Acho que tem massa crítica, tem bons programadores, há bastante oferta cultural, mas merecia ser um pouco mais descentralizada nos maiores centros. Acho que, além de tudo o que já se faz, precisa de mais trabalho no âmbito da valorização do património imaterial. Gostava também de promover a existência de mais grupos de amigos de monumentos ou museus, iniciativas que podem partir de associações já existentes e permitirão contribuir para a concretização deste intento.
Que monumentos precisam de requalificação prioritária?
Temos uma lista que nos mostra quais estão em perigo, o porquê e qual o investimento necessário. Temos projetos a curto prazo, até 2020, a ser executados. E depois, a médio prazo, para 2020/2023, temos seis marcados como urgentes. Em Aljezur está assinalado o Ribat da Arrifana (500 mil euros), em Portimão, a Vila romana da Abicada (400 mil euros), em Silves as muralhas e Porta da Almedina (2,15 milhões euros) e a Sé (2 milhões euros). Já em Tavira, como urgente, temos a Igreja de Santa Maria do Castelo (420 mil euros). Por fim, temos as ruínas lusitano-romanas da Boca do Rio (220 mil euros), em Vila do Bispo.
É fácil conseguir esses investimentos?
Estamos a tentar arranjá-los através de candidaturas a programas, em que Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve nos ajuda. Muitas vezes, as Câmaras também apoiam.
Quais as expetativas para o DiVaM deste ano?
Temos alguns novos participantes como o Club Farense, que levará o «Riding a Meteor» e o projeto «Esfinge», a Sagres e a Milreu, respetivamente. Penso que vai ser bastante interessante. A ideia é dinamizar os sete monumentos da DRCAlg na região. Todos eles têm atividades: Castelo de Aljezur, Fortaleza de Sagres, Ermida de Guadalupe, Ruínas de Milreu, Monumento Megalítico de Alcalar, Castelo de Paderne e o Castelo de Loulé.
Qual é a sua opinião sobre o «365 Algarve»?
Trouxe o turismo para a cultura, ou melhor, levou a cultura para o turismo. Veio permitir projetos diferentes, com outra grandeza e mantém vivo todo o tecido cultural fora da época balnear.
Daquilo que vejo, tem estado a cumprir os seus objetivos. A ideia de que o Algarve só serve para férias está a mudar a todos os níveis.
Precisamos de cultura?
É aquilo que nós somos. É o saber quem somos. Somos um produto cultural. A definição de cultura é muito variada. Acredito que a cultura é simbólica, aprendida e partilhada. É difícil definir cultura, é mais ela que nos define. Temos muitos desafios na nossa vida e a cultura conforta-nos.
Uma especialista no imaginário de Hércules, o herói grego
Até aqui professora auxiliar da Universidade do Algarve (UAlg) e diretora da biblioteca daquela academia, investigadora do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra e do Centro de Investigação em Artes e Comunicação (CIAC) da UAlg, Adriana Freire Nogueira, participa no «Hercules Project», da Universidade de Leeds, em Inglaterra, e já publicou dois livros para a infância e juventude sobre este herói clássico. «Surgiram depois de uma série televisiva em que num dos episódios, Hércules matava o Minotauro, mas na realidade, quem o matou foi Teseu. Uma amiga desafiou-me a escrever sobre a história verdadeira deste herói grego». O interesse continua. «Já fui a dois congressos de uma equipa que está a trabalhar sobre tudo o que tenha a ver com o Hércules. Trabalho na recepção da antiguidade na contemporaneidade, isto é, como o mundo contemporâneo lê e recebe o mundo antigo. Faço também parte da iniciativa Imagines Project, que já realizou no Algarve um dos seus congressos internacionais».